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A febre dos grandes espaços

Transmongoliano a atravessar as planícies da Mongólia, foto por mattermatters

Nem sempre se explica como se escolhe os destinos, às vezes é-se levado por razões mais materiais: um livro, um filme, um monumento (cada vez menos são monumentos que me levam aos sítios). Mas noutras é algo tão intangível e estereotipado como um “chamamento”, uma vontade que vem de dentro embora sem saber bem de onde, que motivo trás ou por que motivo escolhe esta ocasião e não outra.

Há uns anos fui tomado por uma vontade imensurável de espaços abertos, a frase que se formou na minha cabeça foi “preciso de estar no deserto!”, estar num local sem nada em redor, alimentado pelo mito eventualmente desmistificado que paisagens nuas e desprovidas devida e de formas são mais introspetivas e forçam a olhar mais para dentro que para o que nos rodeia. Ia em busca do vazio e fui parar à Islândia, provavelmente a escolha menos óbvia dada a latitude, mas que com os quilómetros de paisagem despovoada e marcada pelo gelo e fogo e cumpriu brilhantemente o objectivo.

Neste momento só penso em longos trajetos por grandes espaços, só penso em fazer o Transiberiano, ou o Transmongoliano, e atravessar as estepes da Sibéria e da Mongólia e fazer 3000km através da imensidão que não acaba, de senti-los a passar debaixo dos pés e consecutivamente olhar a próxima curva do horizonte, para perceber ao lá chegar que nada muda em relação às anteriores. Tenho vontade de me sentir pequeno e ser sentir-me esmagado simplesmente por estar no meio de nada.

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Época das chuvas

Em direção a Inthein, e também a uma das maiores molhas da minha vida (Foto: Ruben Vicente)

Viajar para o Sudoeste Asiático no Verão europeu tem um problema, está-se em plena época das chuvas e a monção atinge em força o continente, e Myanmar não é excepção. Atinge o suficiente para assustar a maioria dos turistas e empurrá-los para a época alta que começa a partir de Novembro, altura em que começa a época seca. Mas não assusta o todos, a julgar pela quantidade de famílias de “nuestros hermanos” em “vacaciones” com que constantemente me ia cruzando em Yangon.

Apesar de o nível de água subir tão dramaticamente como a quantidade diluviana que cai do céu, e apesar de por pouco nos ter mexido nos planos numa ou outra ocasião, a verdade é que não é tão mau quanto possa parecer. Para além de todos os factos de se evitar a época alta, a verdade é não se trata de um dia de chuva contínuo e irritante a que estamos habituados, no Sudoeste Asiático cai toda de uma vez, e muitas vezes à hora marcada. Quando estive no Cambodja o céu começava a fechar depois de almoço, a meio da tarde abriam-se as comportas de uma barragem e durante meia-hora ou mesmo uma hora caia água continuamente, para depois parar. Até ao dia seguinte à mesma hora, mais minuto, menos minuto. Em Myanmar o padrão parecia ligeiramente diferente, tendencialmente as manhãs eram chuvosas, algo que arruinou todos os planos para fotografias ao nascer do Sol, para dar lugar a tardes soalheiras.

Rapidamente se ajusta o ritmo à vontade da chuva e quando esta dá tréguas é aproveitar o resto do dia. Ajustar os motivos fotográficos às condições existentes, não preocupar com a lama entre os chinelos e os dedos e suportar estoicamente a imensa humidade da estação, bem mais insuportável que a chuva.

Num alpendre com o nosso barqueiro à espera que a chuva abrande.

Mas de vez em quando a chuva insiste em não parar, ou abrandar, obrigando a paragens forçadas. Como em Inthein quando um dia em que a chuva intermitente nos acompanhou praticamente desde manhã que à tarde degenerou numa longa chuva torrencial, ainda mais que o normal, e que obrigou a esperar e abortar o resto da tarde. Entre nós e um banho quente estava cerca de uma hora de viagem num pequeno barco a motor pelo Lago Inle.

A arrumar a banca, os barcos de turistas só voltarão no dia seguinte

Quando se tem um trajecto rígido, um programa cuidadosamente delineado ao mais pequeno pormenor, ao segundo, um percalço destes é suficiente para arruinar o dia, primeiro por ter de se reajustar o dito plano, depois pela incerteza de ser atingido pela intempérie (uma molha é algo que crescemos a evitar) e por fim pela ânsia de chegar ao conforto de casa, neste caso do hotel.

Quando se anda ao sabor das coisas rapidamente se encontra um plano B, C ou mesmo Z, até porque nem sempre chega a haver plano A. Em muitos casos o que resulta daqui é algo tão simples mas enriquecedor como sentar para ver e ouvir, descansar ou escrever um rascunho no caderno.

A chuva continuou e continuou e continuou e a saída óbvia era a tal viagem de regresso ao hotel para secar o equipamento, sempre sob um dilúvio e contando apenas com uma providencial tela oleada para me proteger. Nunca fomos à vila piscatória no outro lado do lago, mas nem tudo tem de ser visto de uma vez, ficam sempre desculpas para o regresso. O que ficou do dia foi provavelmente a maior molha da minha vida…

Voltava já amanhã para apanhar outra!

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