Tag Archives: viagens

Descubra as diferenças…

Estas duas fotos foram tiradas exatamente com 24 horas de diferença.

Ambas têm em comum terem sido tiradas debaixo do chão, longe da luz do dia, ambas com cadeiras e mesas vazias de gente apenas pela mera coincidência, ou pormenor técnico, de uma lente não capturar uma divisão inteira num único disparo.

Uma é uma bodega em túneis escavados no solo algures na zona rural de Castilla León, outra um bar de um qualquer edifício de escritórios de Lisboa.

Uma é suja, desarrumada e escura, outra é clara, limpa e arrumada.

Uma é quente tem personalidade e histórias na parede, outra é  fria, impessoal e estéril.

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A febre dos grandes espaços

Transmongoliano a atravessar as planícies da Mongólia, foto por mattermatters

Nem sempre se explica como se escolhe os destinos, às vezes é-se levado por razões mais materiais: um livro, um filme, um monumento (cada vez menos são monumentos que me levam aos sítios). Mas noutras é algo tão intangível e estereotipado como um “chamamento”, uma vontade que vem de dentro embora sem saber bem de onde, que motivo trás ou por que motivo escolhe esta ocasião e não outra.

Há uns anos fui tomado por uma vontade imensurável de espaços abertos, a frase que se formou na minha cabeça foi “preciso de estar no deserto!”, estar num local sem nada em redor, alimentado pelo mito eventualmente desmistificado que paisagens nuas e desprovidas devida e de formas são mais introspetivas e forçam a olhar mais para dentro que para o que nos rodeia. Ia em busca do vazio e fui parar à Islândia, provavelmente a escolha menos óbvia dada a latitude, mas que com os quilómetros de paisagem despovoada e marcada pelo gelo e fogo e cumpriu brilhantemente o objectivo.

Neste momento só penso em longos trajetos por grandes espaços, só penso em fazer o Transiberiano, ou o Transmongoliano, e atravessar as estepes da Sibéria e da Mongólia e fazer 3000km através da imensidão que não acaba, de senti-los a passar debaixo dos pés e consecutivamente olhar a próxima curva do horizonte, para perceber ao lá chegar que nada muda em relação às anteriores. Tenho vontade de me sentir pequeno e ser sentir-me esmagado simplesmente por estar no meio de nada.

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Guias de viagem e fatias de bolo!

A Pixie junto a um dos mais pequenos restaurantes indianos que vi

Não é mentira que um bom guia de viagem é essencial numa mochila de um viajante, como em países sub desenvolvidos onde a informação nem sempre está legível ou à mão de semear. Mais do que as atrações e eventos de cada local, há uma enorme quantidade de pequenas coisas que são o resultado de conhecimento acumulado daqueles que passaram antes nós,  pequenos detalhes sobre a cultura, o dia a dia ou transportes locais, detalhes esses que eventualmente pode-se escolher ignorar e fazer uma viagem de autocarro classificada de “dura e lenta”. Mas nunca como na Islândia isto foi tão óbvio.
Estávamos a chegar a Egilsstaðir, eu e a Pixie, uma filha de hippies Australianos (daí o nome) que estava a viajar pelo Velho Continente depois de terminar a universidade, foi parar à Islândia para variar da paisagem demasiado humanizada da Europa Central, precisava um sítio com menos gente. Eu precisava de um sítio vazio e desolado para pôr as ideias em ordem, um país ligeiramente maior que Portugal e com apenas 300.000 habitantes pareceu o sítio ideal para ambos. Tinhamos isso em comum, para além de ambos gostarmos de tatuagens de estrelas, ela andava a tatuar uma em cada país por onde passava, na Islândia tinha acabado de tatuar uma estrela no cotovelo com as cores da bandeira Islandesa.

Centenas de quilómetros assim…

Arrancámos de Reykjavík dias antes em modo road-trip no meu Yaris todo-o-terreno de aluguer. Para a Pixie era primeira vez que estava num clima frio (tinha toda a roupa minimamente quente vestida) e ficava fascinada cada vez que passávamos por um pico nevado. Do meu lado o que me deixava realmente fascinado era não haver nada (de Borgarnes, a última cidade da região de Reykjavík, a Akureyri são 300 km de vazio), quilómetros de apenas estrada pela frente, quilómetros sem presença humana, sem cidades ou vilas, com apenas as quintas que vão esporadicamente passando ao lado, sem sinalização ou placas a tornar a distância mais curta, onde apenas sabe que se está no caminho certo porque não há mais nenhum.

Em Akureyri a acabar o dia com um muffin de chocolate e um capuccino

Por causa desta imensidão tão agreste e desolada os meus dias na Islândia rapidamente ganharam uma rotina: terminar o dia com alguma coisa reconfortante, e de preferência quente. Foi assim em Akureyri, onde na Eymundsson (a FNAC do sítio) acabei o dia a folhear o livro que tem uma das minhas capas preferidas enquanto bebia um cappuccino quente e comia um muffin. Foi também assim  quando chegámos a Egilsstaðir, antes de nos separarmos (a Pixie ia para uma WWOOF enquanto eu ia continuar a minha viagem de circum-navegação à ilha) fomos beber qualquer coisa quente no primeiro sítio que encontramos, bebi o cappuccino elaborado que seria possível beber na terriola sonolenta que Egilsstaðir na verdade é, mas desta cedi à tentação e não comi uma daquelas fatias apetitosas da vitrine.
Quando saímos a Pixie parou a disse “Ainda bem que não comeste ali” e mostrou o meu guia:
“Excelente para café mas evitar a comida a todo o custo, tem excelente aspecto mas na verdade é seca, aguada ou sabe a cebolas”
 Nunca cheguei a saber se o guia estava certo…
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Época das chuvas

Em direção a Inthein, e também a uma das maiores molhas da minha vida (Foto: Ruben Vicente)

Viajar para o Sudoeste Asiático no Verão europeu tem um problema, está-se em plena época das chuvas e a monção atinge em força o continente, e Myanmar não é excepção. Atinge o suficiente para assustar a maioria dos turistas e empurrá-los para a época alta que começa a partir de Novembro, altura em que começa a época seca. Mas não assusta o todos, a julgar pela quantidade de famílias de “nuestros hermanos” em “vacaciones” com que constantemente me ia cruzando em Yangon.

Apesar de o nível de água subir tão dramaticamente como a quantidade diluviana que cai do céu, e apesar de por pouco nos ter mexido nos planos numa ou outra ocasião, a verdade é que não é tão mau quanto possa parecer. Para além de todos os factos de se evitar a época alta, a verdade é não se trata de um dia de chuva contínuo e irritante a que estamos habituados, no Sudoeste Asiático cai toda de uma vez, e muitas vezes à hora marcada. Quando estive no Cambodja o céu começava a fechar depois de almoço, a meio da tarde abriam-se as comportas de uma barragem e durante meia-hora ou mesmo uma hora caia água continuamente, para depois parar. Até ao dia seguinte à mesma hora, mais minuto, menos minuto. Em Myanmar o padrão parecia ligeiramente diferente, tendencialmente as manhãs eram chuvosas, algo que arruinou todos os planos para fotografias ao nascer do Sol, para dar lugar a tardes soalheiras.

Rapidamente se ajusta o ritmo à vontade da chuva e quando esta dá tréguas é aproveitar o resto do dia. Ajustar os motivos fotográficos às condições existentes, não preocupar com a lama entre os chinelos e os dedos e suportar estoicamente a imensa humidade da estação, bem mais insuportável que a chuva.

Num alpendre com o nosso barqueiro à espera que a chuva abrande.

Mas de vez em quando a chuva insiste em não parar, ou abrandar, obrigando a paragens forçadas. Como em Inthein quando um dia em que a chuva intermitente nos acompanhou praticamente desde manhã que à tarde degenerou numa longa chuva torrencial, ainda mais que o normal, e que obrigou a esperar e abortar o resto da tarde. Entre nós e um banho quente estava cerca de uma hora de viagem num pequeno barco a motor pelo Lago Inle.

A arrumar a banca, os barcos de turistas só voltarão no dia seguinte

Quando se tem um trajecto rígido, um programa cuidadosamente delineado ao mais pequeno pormenor, ao segundo, um percalço destes é suficiente para arruinar o dia, primeiro por ter de se reajustar o dito plano, depois pela incerteza de ser atingido pela intempérie (uma molha é algo que crescemos a evitar) e por fim pela ânsia de chegar ao conforto de casa, neste caso do hotel.

Quando se anda ao sabor das coisas rapidamente se encontra um plano B, C ou mesmo Z, até porque nem sempre chega a haver plano A. Em muitos casos o que resulta daqui é algo tão simples mas enriquecedor como sentar para ver e ouvir, descansar ou escrever um rascunho no caderno.

A chuva continuou e continuou e continuou e a saída óbvia era a tal viagem de regresso ao hotel para secar o equipamento, sempre sob um dilúvio e contando apenas com uma providencial tela oleada para me proteger. Nunca fomos à vila piscatória no outro lado do lago, mas nem tudo tem de ser visto de uma vez, ficam sempre desculpas para o regresso. O que ficou do dia foi provavelmente a maior molha da minha vida…

Voltava já amanhã para apanhar outra!

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As bandeiras na janela da Turquia

Estava a ouvir as notícias sobre o sismo em Van, zona por onde tenho uma viagem na minha cabeça que atravessa a Turquia desde o Bósforo e acaba no Irão, e pelo meio o obrigatório directo com uma portuguesa residente em Istambul onde relatava a consternação dos turcos, apesar destes estarem a 1200km do sismo, e que estavam a colocar bandeiras nas janelas.

Não consigo imaginar o que isso seja, não consigo imaginar os turcos colocarem bandeiras nas janelas porque esse já é o estado normal das ruas de Istambul, infelizmente ainda as únicas ruas turcas que conheço, por lá este não é um fenómeno sazonal a cada grande competição futebolística mas sim um sentimento que se vive diariamente.

Ou então estão a forrar a área restante dos vidros e das paredes com as bandeiras que devem ter de reserva no baú em casa.

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Maratona de 10 horas (parte II): num autocarro sem ar condicionado mas com janela aberta

O meu lugar era naquela janela aberta mais ou menos por cima da roda traseira, foto tirada na única paragem digna desse nome.

Não esquecer de ler a primeira parte desta viagem em Maratona de 10 horas (parte I): num tuktuk a meio da noite

O tuk-tuk parou mesmo em frente ao autocarro que nos iria levar a Nyaung-U, coisa habitual e bastante útil em Myanmar, em especial nas enormes e caóticas estações de Yangon ou Mandalay. E apesar de ainda ser escuro, não eram cinco da manhã, não foi preciso muito tempo para me perceber que a caixa de fósforos onde ia passar o resto do dia era pouco melhor que todas as outras com que me tinha acabado de cruzar no caminho, e sobre os quais tínhamos feito piadas, umas atrás das outras. O karma tem sentido de humor, por sinal bem estranho e que nos troca as voltas quando menos esperamos… O que nos esperava era um minubus coreano reciclado e já com bastante uso, muito mesmo, embora uma boa parte desse uso nem sequer será birmanês. Myanmar é o fim de linha de sucata da região, autocarros: camiões e automóveis que já não passam na inspeção na Coreia do Sul, Japão e provavelmente Tailândia vêm aqui parar, vêm para aqui ganhar um novo fôlego e ser usados literalmente até partir.

Ao sair do tuk-tuk fui recebido pelo sorriso caloroso do condutor enquanto dizia “foi uma viagem acidentada!”. Pois foi, mas não deixava de pensar que o que vinha a seguir não era muito melhor… Fomos “encaminhados” para o nosso lugar (que apesar de tudo havia lugares marcados), que é outra maneira de dizer que andei feito parvo por momentos à procura dos números à minha volta, até que um dos funcionários veio em nosso auxílio e nos apontou os lugares, sabia de cor, afinal éramos os únicos estrangeiros e continuaríamos a sê-lo durante toda a viagem. Horas depois reparei que os números estavam escritos nas costas de contraplacado dos bancos, tão esbatidos que quase que se confundiam com a cor da madeira, além disso estavam em birmanês, o que não teriam ajudado mesmo que se tivesse reparado logo quando chegámos. O lado oposto dos bancos, a parte onde nos sentamos, eram pouco mais que tábuas cobertas por um tecido verde e gasto, pelo meio uma fina camada de esponja que em pouco suavizava a dureza das tábuas. Enquanto nos tentávamos acomodávamos a um lugar demasiado alto e com umas costas demasiado verticais a nossa bagagem eram carregada como todas as outras malas, sacos e caixotes: por debaixo dos pés, de repente o espaço vazio entre  os meus pés e o chão desapareceu. Menos um problema!…

E há quem se queixe do espaço para as pernas nos aviões. Sim, aquilo é uma chapa de metal apontada às minhas canelas, ou joelhos dependendo da minha posição

Durante a hora de tuk-tuk até chegar ao terminal várias vezes fui reconfortando o espírito pensando que mais um pouco e estaria no autocarro, poderia encostar-me e dormitar um pouco antes que o calor apertasse. Agora que claramente isso não ia ser possível a minha luz ao fundo do túnel passou a ser a piscina do hotel em Old Bagan onde iria ficar os dias seguintes (que viajar não pode ser só dureza e desconforto), com a diferença que esta luz ao fundo do túnel estava agora a uma dezena de horas de distância.

A pouco e pouco foram chegando os restantes passageiros, alguns iriam fazer a viagem quase toda conosco, como a jovem mãe e o filho que como eu passou a viagem com a cabeça metida do lado de fora da janela (pelo menos quando não dormia ou eu me metia com ele), outros apenas por uma ou duas paragens. E em mais de trezentos quilómetros e dez horas de carreira local houve muita gente em muitas paragens. Felizmente a lotação nunca esgotou, que os bancos para além de altos, duros e demasiado direitos eram também demasiado estreitos para acomodar duas pessoas lado a lado, mesmo sendo uma dessas pessoas um pequeno e atlético birmanês. Menos outro problema!…

Aquela porta ficou aberta a viagem inteira e um daqueles caixotes caiu em andamento

Pontualmente às cinco da manhã arrancámos para Nyaung-U, a porta de entrada para Bagan. Em Myanmar tudo parece ter uma abundância fora do comum de gente para cumprir um serviço, pelo menos aos olhos de um europeu, restaurantes com mais empregados de mesa que clientes ou hotéis tantos funcionários que por vezes se perde a conta de quanta gente trabalha ali. No nosso autocarro, e para uma lotação de apenas vinte pessoas, havia um condutor, único para toda a viagem que aqui não há limites legais que obriguem a períodos de descanso, alguém que devia ser quem mandava ali, o chefe dos outros dois, era quem recebia o dinheiro dos bilhetes e passou o tempo quase todo sentado; por fim havia a minha personagem preferida dos transportes públicos em Myanmar, o faz-tudo que carrega as bagagens para dentro, coloca o calço de madeira na roda assim que se pára e e fica e maior parte do tempo pendurado na porta a anunciar o destino e ajudar nas ultrapassagens.

Ajudar nas ultrapassagens é essencial, nos anos 70 Myanmar passou-se a conduzir à direita mas a maior parte dos veículos em circulação ainda são anteriores a essa mudança, ou então são os usados em 3ª mão importados do Japão, seja como for em ambos os casos o volante está à direita e ter um par de olhos extra para ajudar com o tráfego em sentido contrário é essencial! O nosso faz-tudo era um verdadeiro personagem, um “Cristiano Ronaldo wanabee”, provavelmente da mesma idade do original mas um pouco mais “gasto”, com bigode e vestido de longyi, constantemente a mascar betel. Qualquer um dos três constantemente mascava, mas ele em particular, mascava como se não houvesse amanhã, tanto que demorei tempo a perceber se tinha uma falha grave de dentição ou se tinha os dentes mais manchados de vermelho que vi em todo o país, mais tarde, e com a luz do dia, percebi que era a segunda opção. Provavelmente era daí que vinha a sua energia tremenda, para além de todas as funções que acumulava, não parava sentado e ainda estava atento para me apontar os Budas deitados e os pagodes que iam passando no nosso caminho, entre as muitas vezes que ia à porta sempre aberta libertar os escarros tingidos de vermelho de betel.

Região montanhosa algures entre Kalaw e Meiktila

O autocarro arrancou passando por paisagens tipicamente asiáticas e outras nem por isso, como os enormes vinhedos trazidos pelos Ingleses, a última coisa que se espera ver na Ásia é latadas carregadas de cachos de uva. A pouco e pouco. e sempre por estradinhas locais, o caminho ia serpenteando cada vez mais em direcção a Kalaw. Infelizmente era dia de mercado, infelizmente porque não tive oportunidade de parar e juntar mais uns disparos à minha colecção de mercados de Myanmar, apesar de ser um autocarro local, daqueles que param em todas as capelinhas, todas as paragens são feitas em contra relógio e com o mesmo ritual: ainda em andamento o faz-tudo anunciava a plenos pulmões o destino (acredito que era isso que dizia), ainda antes de pararmos completamente saltava fora e accionava o travão de mão (colocava o calço de madeira na roda), o autocarro era cercado de vendedores que  tentavam vender uma bucha através da janela rapidamente enquanto entram e saem passageiros, por fim ele dava sinal ao condutor para retomar a marcha, o pagamento e combinar local de saída já era feito em andamento. E isto várias vezes, dezenas ao longo do dia, algumas apenas com intervalo de poucos minutos. Mas no meio destas paragens todas apenas três ligeiramente mais demoradas: o almoço, sete horas depois de arrancarmos e a primeira vez que estiquei as pernas, e dois abastecimentos de diesel, um deles numa das muitas “áreas de serviço” que vendem combustível em antigas garrafas e garrafões de água.

Kalaw é uma base popular para vários trilhos de trekking pela região montanhosa em volta e à medida que a estrada se embrenhava cada vez pela região ia-se tornando cada vez mais um trilho e menos uma estrada. Cada vez mais terra batida e calhau e cada vez menos alcatrão, é possível que a última manutenção tenha sido feita pelos ingleses antes da Segunda Guerra Mundial, cada vez mais solavancos mesmo viajando a uma velocidade próxima das marcha humana. Em tempos contaram-me que quando se corre uma maratona o corpo chega a um ponto que deixa de doer, algures por esta altura aconteceu o mesmo com o meu, como que assimilou que as coisas não iam melhorar e que não valia a pena queixar-se, a viagem ficou bem mais tolerável a partir daqui. Conforme nos aproximávamos de Meiktila as montanhas cobertas de densas florestas luxuriantes davam lugar à planície e a estrada voltava a ganhar uma camada de asfalto digna desse nome e muito mais rectas, mas o clima ameno e fresco ficava também para trás e o ar era agora bastante quente, tórrido e seco. Era um sinal que estávamos a aproximar do ambiente que iríamos encontrar em Bagan nos próximos dias, apesar de ainda faltarem umas boas horas até chegar .

A verdade é que ao fim de dez horas, um dia inteiro pela estrada, estava feito num feito num trapo. Mas a verdade é que de todas as viagens por terra em Myanmar, quatro ao todo, esta foi a mais desconfortável mas de longe a menos aborrecida e única onde não tirei o iPod da mochila. Aqui não havia vídeos pop birmaneses que me aborreciam em todos os outros autocarros, eram demasiados estímulos à volta para bloquear os sentidos a ouvir música. Onze horas e meia depois de entrar no autocarro, e umas treze , chegámos a Nyaung-U, com hora e meia de atraso, que por aqui afinal a pontualidade não é uma virtude. A piscina do hotel estava cada vez mais perto, e desta vez não houve nenhuma surpresa!

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Este ano a neura pós-viagem chegou mais tarde…


…mas eventualmente lá encontrou o seu caminho por entre entre a euforia do regresso.

Chegar a casa depois de uma viagem nunca é penoso, quanto mais não seja pelo alívio de chegar após quase dois dias entre voos e terminais de checkin, até porque a minha antipatia por viajar de avião não tem parado de aumentar. É aquele calorzinho no estômago de quando  se volta a algo que é familiar, o mesmo que se tem quando se regressa a uma cidade conhecida e reconhece as ruas por onde se caminhou (mais sobre isto um destes dias), o voltar ao porto de abrigo e ter tempo para processar e digerir todas as memórias que se foram acumulando, algo que raramente se consegue fazer quando se está em movimento.

O que é realmente doloroso é regressar à rotina, a ter dois dias iguais, dois dias seguidos a almoçar no mesmo local, e em nenhum deles sem comer algo gorduroso ou espetado num pau vendido numa banca no passeio, dois a fazer o mesmo trajeto em piloto automático, dois dias sem que ninguém alguém na rua sorria e diga “Olá!” ou dois dias sem regatear o preço para ser transportado em cima de uma velha pick-up. O complicado é incapacidade de explicar que um autocarro chegar hora e meia atrasado numa viagem de dez horas até é bom, ou não importar ter ficado preso em algum lado por causa da chuva diluviana da época das chuvas do Sudoeste Asiático, mesmo que isso tenha significado a maior molha dos últimos vinte anos, esta incapacidade de “contar como foi” que é comum a tantos.

É regressar a uma realidade hermeticamente fechada, padronizada, ordenada, rotulada e dentro do prazo de validade. O choque de perceber que nada mudou, que tudo para trás ficou igual, não só desde que se partiu mas se calhar desde sempre.

Para a semana vou para o trabalho à mesma hora de sempre, mas desta vez vou por um caminho diferente!

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Maratona de 10 horas (parte I): num tuktuk a meio da noite

A restaurant  by the road either closing or preparing to open, you never can't tell.

Um restaurante à beira da estrada a fechar de madrugada ou a preparar-se para a abrir, os ritmos e horários nem sempre são óbvios.

A viagem de Nyangshwe a Nyaung U prometia ser épica, 10 horas num autocarro sem ar condicionado que iria percorrer as estradas secundárias do centro de Myanmar. Apesar de serem dois dos pontos mais turísticos do país (Lago Inle e Bagan) aparentemente a única ligação de autocarro que existe é uma carreira normal, ou assim me convenceram no hotel, aceito que tivessem alguma comissão com esta companhia.

O dia prometia ser longo, com o autocarro a arrancar às cinco da manhã, uma hora bastante razoável pois há horários de partida ou chegada tão improváveis, e cruéis para uma boa noite de sono, como três da manhã. E começou logo com um táxi para o terminal rodoviário a ter de alterar o percurso, hora e preço várias vezes por haverem estradas cortadas pela chuva diluviana que tinha caído nos últimos dias; na versão final o combinado foi um tuk-tuk, que na verdade era uma mota com atrelado com bancos de metal corridos, estar no hotel às 3:45 da manhã para nos levar por um caminho alternativo por zonas mais elevadas. De uma maneira geral as estradas em Myanmar são más, antigas e com pouca manutenção, algo que iria comprovar várias vezes ao longo do dia, e apenas me refiro a estradas principais. O nosso trajecto seria uma agitada hora por caminhos rurais e aldeias, sentado num banco de um atrelado sem suspensão e onde cada solavanco da estrada atirava as costas violentamente contra as barras de ferro que impediam de cair borda fora. Uma hora no ar fresco da madrugada numa zona de montanha (o Lago Inle está a mil metros de altitude), e em alguns momentos o motor da moto parecia perder potência, passou-me pela cabeça que ainda iria chegar a pé ao terminal. Tudo isto fez com que ficasse bem acordado rapidamente, apesar das três ou quatro horas de sono, mas na minha cabeça, e a cada salto, só pensava em chegar ao autocarro e aproveitar as horas de menor calor para encostar o banco para trás e dormir o que conseguisse antes que começasse a sentir a falta do ar condicionado.

Só iria dormir 17 horas depois…

Perto do terminal, e já fora das estradas pelo meio do breu e respectivos saltos, o meu sentido de humor ia voltando ao passar pelos autocarros velhos que faziam as carreiras locais, imaginando o que seria fazer a viagem num chaço daqueles.

O karma também tem sentido de humor, por sinal bem estranho e que nos troca as voltas quando menos esperamos…

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Fotografar estranhos


O momento de descontracção antes da oração da hora de almoço.
Mesquita de Beyazit, Istambul

Tenho um problema na fotografia, vários até, mas tenho um em especial que me acompanha desde sempre, desde que me lembro de querer registar o mundo através de uma lente: fotografar estranhos, fotografar a pessoa da rua, o vendedor e o comprador, os realmente estranhos e desinteressados e não fotografar os esperam algo em troca ou têm interesses escondidos. Há algo de medonho em abordar alguém, entrar no seu espaço, por vezes desviando-as do seu caminho, forçando-as a uma pausa. Nunca ter gostei de ser fotografado, provavelmente umas das razões que me levou a passar para o outro lado da lente, a essa mesma razão que me leva a não sentir confortável a fotografar pessoas, e em especial estranhos: o respeito pelo espaço alheio, o medo de invadir o espaço de alguém. Durante muito tempo contornei o problema de encaixar a figura humana no meio urbano (porque não é possível retratar cidades sem pessoas) de várias formas: tornando as anónimas (com silhuetas e imagens arrastadas) ou focando-me mais nos resultados da sua presença do que nelas (procurando grafittis, por exemplo), mas tendo em conta que o foto-jornalismo, a fotografia de viagem ou a fotografia de rua continuam a estar nos meus registos preferidos este é um handicap do tamanho do mundo.

Nos meios fotográficos há duas linhas de pensamento para abordar este tema. Numa delas o fotógrafo é invisível o quanto possível, discreto mas distante, um observador estéril para não contaminar o ambiente que o rodeia  ou um cronista silencioso que regista os movimentos perante a indiferença de quem é retratado. Noutra deverá estar próximo, tão próximo quanto possível, é o fotógrafo que cria uma relação, mesmo que momentânea, com quem é fotografado, onde há uma empatia e uma ligação, o fotógrafo como agente provocador, invisível mas por se integrar com o ambiente e não por ser furtivo. Provavelmente é mais fácil a primeira opção, pegar num “grande canhão” e, tal como um caçador, ir esperar a presa, mas fui sendo levado a seguir o caminho inverso, que por acaso é também o caminho de todos os meus fotógrafos preferidos.

Na foto acima, uma das minha preferidas da última viagem a Istambul, tive de vencer a inércia e ir um pouco mais além, sair da zona de conforto. Era hora de almoço e estava nas imediações da mesquita de Beyazit, ia em direcção a Suleimanye  para depois terminar a tarde em Galata com o Sol a pôr-se sobre o Corno de Ouro. Os espaços abertos nesta cidade não abundam e os que vão aparecendo, como o jardim e o pátio da mesquita de Beyazit, são ponto de paragem obrigatório, em especial em dias onde o Sol decide queimar mais forte. Era então meio-dia, pouco antes da oração, e mesmo não sendo eu um istanbulense em busca de cumprir deveres espiritual fiquei numa pausa mais demorada, há que parar para ver e absorver melhor as coisas, um hábito fotográfico bem útil em viagem. A religião é algo tremendamente social, com todas as cerimónias e rituais colectivos, deixando espaço para socializar (na verdade são das primeiras redes sociais);  aos poucos mais e mais fiéis juntam em grupos antes da oração, não entendo turco mas imagino que se falasse de futebol ou qualquer outra trivialidade. Este movimento humano que ali se concentra é um tema fabuloso e uma oportunidade fotográfica única, a que se junta o pormenor fotográfico de a luz difusa na sombra das arcadas ser bem mais “simpática” que o Sol vertical do meio-dia, mas esta era uma oportunidade efémera, duraria apenas alguns minutos, o tempo até ao início da oração. Não podia perdê-lo, não podia limitar-me a ficar com fotos de um espaço que por acaso com pessoas, era preciso tomar a iniciava.

Como em quase tudo foi bem mais fácil que os filmes que se fazem na cabeça, bastaram os habituais sorrisos, a atenção de partilhar o momento com os modelos improvisados, mais alguns sorrisos, a simpatia faz maravilhas, lá fui à minha vida para Suleimanye e sempre acabei por jantar na ponte de Galata mas com mas algo na bagagem.

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A estrada para Seyðisfjörður


Seyðisfjörður, Foto por Duncan_Smith

“Mas porque é que toda a gente quer ir a Seyðisfjörður?”, reagiu a minha anfitriã quando respondi qual seria a minha próxima paragem, “É um lugar que não é assim nada de especial”.

Seyðisfjörður é uma vila piscatória, tal como muitas as outras povoações costeiras da Islândia, que está encaixada no fim de um fiorde, costuma ser uma paragem normal para quem está em viagem à volta da ilha, até porque apenas há uma única estrada o fazer. Para lá chegar há que percorrer uma um planalto, estéril e sem vida como todas as terras altas destas paragens, até que, de repente, a estrada se afunda para serpentear até à pequena vila e um braço de mar encaixado entre duas paredes rochosas surge em todo o seu esplendor; é uma visão tão avassaladora que exactamente neste ponto existe pequeno parque de estacionamento, certamente para evitar que os turistas que invariavelmente param para tirar mais uma foto não perturbem o pouco trânsito desta estreita estrada.

Realmente Seyðisfjörður não é assim tão interessante, mas chegar lá sem dúvida que é!

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